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Fraseologia e mixagem - 02

Fraseologia musical aplicada á mixagem.

Vamos analisar algumas situações em que a condução de volume pode mostrar melhor as sutilezas de uma ideia musical. Nesses casos, a edição e a condução podem iluminar algumas articulações e ideias que valorizam o discurso.

  1. Uma das situações que pedem atenção são as primeiras notas da música. Na coluna passada, falamos sobre frases “téticas”, “anacrústicas” e “acéfalas”. Estes nomes servem para descrever a distância entre o início da frase e a primeira sílaba tônica da letra, que tem uma sensação de chegada, repouso.

Como exemplo de palavra tética, temos “HO-je”, nessa palavra a primeira sílaba é tônica. Como anacrústica, podemos citar “en-TÃO”, que tem a sílaba tônica depois de uma sílaba átona. Como exemplo de acéfala, “a-ma-nhã eu VOU”. São várias sílabas que conduzem até o tempo forte.

Sempre que tivermos uma preparação na música, algo que anuncie um ponto de chegada, essa preparação talvez possa ser valorizada na mix. São momentos que criam expectativa. É o caso de sílabas que antecedem o tempo forte. Se a primeira sílaba não é a sílaba tônica, a ideia ficará mais clara se essa primeira sílaba soar com menos intensidade do que a sílaba tônica. Se não for assim naturalmente na música, isso se faz com uma pequena condução de volume que deixará o discurso musical muito mais claro. No último exemplo, com a frase acéfala, é possível até fazer um pequeno crescendo, que conduza até a sílaba de chegada.

  1. No decorrer da música, às vezes podemos usar uma técnica de interpretação chamada “dinâmica natural”. Essa técnica entende que quando uma melodia sobe, ou vai para o agudo, a intensidade cresce – e diminui quando a melodia vai para regiões mais graves. Em uma melodia ascendente, cada nota seria mais forte do que a anterior, e mais fraca do que a seguinte. O inverso acontece na frase descendente. Se alguma frase estiver sem graça, conduzir as intensidades dessa forma às vezes dá bons resultados. Essa é uma abordagem possível, mas está longe de ser a única, ou de ser sempre a melhor opção. Quem manda é o bom gosto.

  1. Além das notas de entrada, existe também uma relação da última nota da frase com o tempo forte. Quando a melodia termina em uma sílaba tônica (ca-iu no CHÃO), dizemos que tem uma terminação masculina. Se a sílaba tônica for a penúltima ou a antepenúltima (não que-brou NA-da, ca-iu a XÍ-ca-ra), é uma terminação feminina. Em uma terminação feminina, a última nota não deve ser mais forte do que a penúltima, pois a clareza do discurso pode ser prejudicada. Mais uma vez, isso não é uma lei. O importante é ter consciência de que essa relação, de alguma forma, existe e pode ser aproveitada.

  1. Em uma situação de naipe, muitas vezes os instrumentistas tocam as dinâmicas com velocidades/intensidades diferentes entre si. Um pode crescer ou diminuir mais rápido do que o outro, e a homogeneidade timbrística do naipe perde com essa diferença. Nesse caso, convém escolher qual instrumento tem uma dinâmica mais bonita (essa escolha é completamente arbitrária), e adequar os outros canais a ele.

  1. Assim como temos intensidades diferentes em instrumentos do mesmo naipe, muitas vezes as notas são tocadas também com durações diferentes. Em um uníssono, tanto a dinâmica quanto as articulações devem ser iguais. Nesse caso, escolhe-se um instrumento que tenha um fraseado mais ao seu gosto, e ajustam-se os outros canais à articulação do escolhido.

  1. Outra situação que pode sofrer uma intervenção do mixador são as notas longas que não têm dinâmica. O que chamo de “dinâmica” pode ser uma variação de intensidade, de timbre, ou até um vibrato. Uma nota longa sem intenção, sem algo que a faça varia, desaparece. Bem trabalhada, pode acrescentar dramaticidade à narrativa musical.

  1. Para finalizar, vamos observar que às vezes fica um vazio entre duas frases da melodia, no que seria o espaço de respiração. Ás vezes uma pequena intervenção nesse espaço cria interesse para o ouvinte. Algumas músicas foram construídas completamente sobre esse conceito (como “La Bamba”, por exemplo). Ás vezes nenhum instrumento tocou algo com a intenção de ocupar esse espaço, mas aumentar algumas notas da guitarra nesses intervalos, ou qualquer coisa que algum outro instrumento tenha tocado, pode dar outra agilidade e interesse à narrativa. Esses elementos podem ser encontrados nos instrumentos menos esperados.

A intenção ao sugerir essas intervenções não é que o engenheiro de mixagem se torne algum tipo de arranjador. Ele não está escrevendo notas no arranjo, isso já foi feito por outra pessoa, mas ele está usando somente o material musical que lhe foi fornecido para contar uma história. Se ele consegue valorizar a sua narrativa usando essa matéria prima, podemos dizer com certeza que ele tem uma abordagem musical na sua mixagem.


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